Desenvolvimento artístico na terceira idade

“Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?”
Walter Benjamin

Orientador: Prof. Dr. Roberto C. Stegun – FO-USP, Prof. Dr. Eduardo Coutinho – ECA-USP
Alunas: Larissa Bergoli Galeazzi, Letícia de Paula Venancio, Suzana Yumi Nakamura, Amanda Tavares Dias

Introdução

Apresentamos aqui um breve relatório a respeito da pesquisa desenvolvida na primeira etapa do projeto, realizada durante o segundo semestre do ano de 2009.
Este relatório está divido em capítulos que aprofundam detalhes do caminho percorrido desde a proposição do projeto até a definição das práticas a serem desenvolvidas diretamente com os idosos em tratamento na clínica de prótese da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.

O cenário e as personagens

Cadeiras de madeira encostadas na parede, uma grande mesa no centro e uma janela ao fundo compõem o ambiente da sala de ESPERA.
Idosos de diversas idades e histórias, naquela sala, ESPERAM.
Durante muito tempo tal cenário e seus personagens compuseram uma mesma história, fruto do tempo ocioso.
Este projeto, vem, com a associação interdisciplinar da odontologia e artes cênicas atuar neste  cenário, preenchendo o tempo de ESPERA e ao mesmo tempo  através de atividades lúdicas, beneficiar a saúde geral  do idoso.

Uma velha história


Com o aumento da expectativa de vida a população idosa aumentou consideravelmente. Entretanto sua posição na sociedade não está completamente definida, apesar de ter progredido bastante nos últimos anos.
Muitas pessoas acreditam que a terceira idade representa apenas um período de decadência das habilidades físicas e mentais, acreditando que os idosos formam um grupo homogêneo e não produtivo destacado das relações diretamente ligadas à manutenção da vida.
Pensando a respeito da função do velho na sociedade escolhemos a memória como matéria prima do nosso trabalho.
Através de suas memórias os velhos podem resgatar as experiências que construíram nossa história, trazendo à tona as narrativas que nos auxiliam a compreensão do nosso momento presente, sua forma atual e seus porquês.
Tendo definido memória como tema, uma breve pesquisa nos levou a duas diferentes possibilidades de abordagem: memória cognitiva e memória afetiva. Esta se relaciona às recordações e experiências, fatos aos quais estamos ligados emocionalmente, enquanto a outra está ligada a aspectos imediatos de apreensão de informações, relações lógicas desconectadas do campo sentimental.
Partindo da idéia de que ambas sejam importantes e complementares, pensamos em práticas que pudessem abarcar as diferentes abordagens da memória.

Uma nova história


A importância do tratamento odontológico e seus reflexos na saúde geral do idoso parecem sabido. Entretanto, em nossas reuniões durante o Projeto Envelhecer Sorrindo, através de um intercâmbio profissional entre as duas áreas acima citadas, focamos nossas atividades em gerar um diferente papel da odontologia na atuação sobre a saúde dos idosos.
A memória (sempre pensando nos dois tipos já citados) possui enorme potência criativa e imagética, por isso é também um bom tema para desenvolvimento artístico.
Tendo a premissa de trabalhar o desenvolvimento artístico, optamos por buscar formas possíveis de relações poéticas com a memória. Para aproximação poética com o tema existem propostas vindas de várias formas de arte: fotografia, música, literatura, teatro, entre outros.
No entanto escolhemos também trabalhar a memória através da contação de histórias. Nossa pesquisa envolve a idéia de narrador (como o descrito por Walter Benjamin), o compartilhamento de experiências, de palavras. Esta nossa escolha nos recoloca (ao mesmo tempo em que questiona) a atitude cênica. O trabalho com o ato de narrar é bastante instigante, pois além dos indicar outra possibilidade de relação cênica, também se mostra bastante potente para o desenvolvimento dos dois tipos de memória que escolhemos como guias. O compartilhamento de palavras (sejam estas advindas da experiência pessoal ou da livre criatividade) é capaz de estabelecer a aprimorar a comunicação entre as pessoas - o que é bastante importante no combate à depressão na terceira idade – e também auxilia as memórias afetiva e cognitiva, posto que para nós utilizarmos as palavras e sermos capazes de produzir nossas histórias recorremos a esses diferentes aspectos da lembrança.
Desenvolvemos uma sequência de propostas, a serem realizadas a cada encontro. Tal sequência é: apresentação da proposta, exercícios de chegada, roda de histórias e rastro plástico.

  • Apresentação da proposta: como os idosos não são sempre os mesmos todo encontro, é importante apresentar o projeto, nossa proposta para aquele período a cada novo dia de consultas.
  • Exercícios de chegada: para que nós e os idosos nos conheçamos e buscando iniciar o contanto com o tema memória serão propostos exercícios com o foco um pouco maior na memória cognitiva, na tentativa de abrir espaço para o trabalho seguinte, que já terá caráter mais particular.
  • Roda de histórias: a partir dos diferentes estímulos artísticos será aberta uma roda de histórias. O trabalho com a memória afetiva poderá ter resultado em histórias verídicas ou não, dependendo da proposta ou do próprio idoso. Durante este trabalho, os estímulos provenientes de diferentes formas de arte serão também aplicados na maneira como cada história será contada.
  • Rastro plástico: buscando uma forma de guardar a memória do nosso trabalho, existe a proposta de a cada encontro seja construída uma obra plástica que de algum modo possa registrar algo dos diferentes dias.


Exemplo de um encontro


Estímulo: Música

Apresentação

Exercícios de chegada
Material: Um novelo de lã
I. Teia de nomes
Forma-se uma roda com as cadeiras. Cada participante se apresenta dando uma volta no dedo com a lã e passa para outro, que pode estar em qualquer lugar do círculo, desse modo até todos terem se apresentado. Ao final terá se formado uma teia entre todos. Para soltar-se dela cada um deverá dizer o nome da pessoa que lhe entregou o novelo.

II. De onde eu vim?
Cada participante contará tudo que fez naquele dia até chegar na sala de espera. Exemplo: Acordei, tomei banho, comi um pão, peguei um ônibus, desci, peguei outro, comprei um café na máquina e me sentei.

Roda de histórias
Música: João e Maria (Chico Buarque)

História coletiva

A partir da música e das lembranças por ela suscitadas será contada uma história em que cada participante será responsável por criar um trecho, em continuação ao anterior. A história deverá ser contada a partir do ritmo ditado por um pandeiro, tocado pelas propositoras.

Registro plástico
Depois de criar uma história em conjunto, nesse momento cada um fará seu próprio desenho a partir daquela história.

Conclusão

Durante este período de planejamento, concluímos que existe uma grande importância em se trabalhar com a memória do idoso, por acreditar que se trata de um tema que permite diversas maneiras de interação. Através de músicas, histórias, teatro e outras formas de arte buscaram trabalhar o tempo ocioso do idoso na sala de espera possibilitando trocas e novas experiências. Tal gama de experimentações pode compreender aspectos tanto psicológicos quanto cognitivos, auxiliando na saúde geral do idoso, fazendo com que a consulta odontológica, ganhe uma nova camada, indo além do tratamento propriamente dito para um espaço de criação artística. A partir das experiências que virão com os trabalhos práticos, nossas atividades estarão sempre abertas a adaptações, para que possamos trabalhar da melhor maneira possível de acordo com as necessidades que possam surgir.

You are here